Dezoito horas, sábado. Caminho a passos curtos para pegar o ônibus para casa. O pôr-do-sol que se apresenta atrás da Torre de TV é esplendido. O viaduto da rodoviária já está ficando vazio, os ambulantes já foram para suas casa. Num dia de semana estaria completamente tomado. Quando tenho que passar por ali, me sinto quase que passando por um corredor polonês, disputando os centímetros da calçada com vendedores de todo tipo de mercadoria, panfleteiros, mendigos, ambulantes e os malandros.
Na rodoviária outra disputa,os compradores de vale-transporte e suas calculadoras. Mas hoje não! Hoje apenas os jogadores a lançar seus dados contra o mármore encardido da parede da rodoviária, disputam com algum desavisado. Numa rodinha mais à frente um rapaz sem camisa, com uma latinha de cerveja na mão, lança os dados, abre um sorriso amplo e grita: "- Duque de sena!" - e o desavisado fica sem o dinheiro da passagem para voltar para casa depois de procurar o dia todo por alguma coisa que lhe desse um salário. Na esperança de dobrar ou triplicar os reais tentou a sorte e encontrou-se com o azar.
Na plataforma superior vans disputam os passageiros que somente se importam em chegar e o cobrador anuncia: "- É Sobradinho I e Sobradinho II! Tem lugar sentado, tem em pé e tem agachado!". E lá se vão eles, apertados, espremidos, em pé ou agachados.
Desço as escadas e me dirijo até a plataforma inferior para pegar meu ônibus. Do alto-falante sai uma música popular e uma maluca dança sozinha, vestida com seu roupão azul-encardido. A pastelaria Viçosa está completamente lotada. Pessoas se acotovelando por um pastel de queijo e um caldo de cana. O lambe-lambe, agora moderno com sua máquina digital, o paletó pendurado, uma gravata pra combinar e a foto que sai na horinha para tirar o documento. Pra carteira de trabalho e vai sair bonito na foto. Ainda expõem com orgulho a antiga máquina em que olhava por baixo do pano o rosto do freguês. Segunda-feira bem cedinho o moço que perdeu a aposta estará novamente lá, com sua carteira novinha procurando um emprego. Porque no Brasil perde-se tudo, mas não perde-se a esperança e aqui é onde todos os povos se encontram.
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Eu caí em cheio na realidade, e uma das realidades que me surpreenderam foi a rodoviária, à noitinha. Eu sempre repeti que essa plataforma rodoviária era o traço de união da metrópole, da capital, com as cidades-satélites improvisadas da periferia. É um ponto forçado, em que toda essa população que mora fora entra em contacto com a cidade. Então eu senti esse movimento, essa vida intensa dos verdadeiros brasilienses, essa massa que vive fora e converge para a rodoviária. Ali é a casa deles, é o lugar onde eles se sentem à vontade. Eles protelam, até, a volta para a cidade-satélite e ficam ali, bebericando. Eu fiquei surpreendido com a boa disposição daquelas caras saudáveis. E o "centro de compras" então, fica funcionando até meia noite. Isto tudo é muito diferente do que eu tinha imaginado para esse centro urbano, como uma coisa requintada, meio cosmopolita. Mas não é. Quem tomou conta dele foram esses brasileiros verdadeiros que construíram a cidade e estão ali legitimamente. Só o Brasil. E eu fiquei orgulhoso disso, fiquei satisfeito. É isto. Eles estão com a razão, eu é que estava errado. Eles tomaram conta daquilo que não foi concebido para eles. Foi uma bastilha. Então eu vi que Brasília tem raízes brasileiras, reais, não é uma flor de estufa como poderia ser. Brasília está funcionando e vai funcionar cada vez mais. Na verdade, o sonho foi menor do que a realidade. A realidade foi maior, mais bela. Eu fiquei satisfeito, me senti orgulhoso de ter contribuído.
Lúcio Costa, 30/03/87 (Fonte:
www.brazilia.jor.br)
Um Feliz Dia dos Pais a todos os grandes pais e um beijo especial no meu, que de onde estiver estou certa sente meu amor.